Apesar de ser reconhecido internacionalmente por sua política migratória inclusiva, o Brasil ainda não possui um plano estruturado para acolher cidadãos deportados do exterior. O tema ganhou destaque com as promessas de Donald Trump de intensificar deportações caso reassuma a presidência dos Estados Unidos, mas já vinha sendo uma questão latente: nos últimos quatro anos, mais de 7.100 brasileiros foram deportados dos EUA.
Enquanto países como México, Guatemala e Honduras possuem programas de reinserção para seus cidadãos deportados, o Brasil ainda busca uma resposta mais efetiva.
Deportados chegam ao Brasil sem apoio adequado
A maioria dos brasileiros deportados retorna em voos fretados pelos EUA e desembarca no Aeroporto Internacional de Confins, em Minas Gerais — estado com forte histórico de emigração para os Estados Unidos. No entanto, ao chegarem ao país, os deportados passam apenas pelo controle da Polícia Federal, sem assistência formal ou apoio para reintegração.
O problema se agrava pela recorrência de tentativas de reemigração. Muitos deportados, sem perspectivas no Brasil, acabam recorrendo novamente a coiotes para tentar voltar aos EUA, enfrentando riscos financeiros e psicológicos. O impacto emocional também é significativo, já que muitos retornam desorientados e sem condições imediatas de reinserção na sociedade.
Embora o tema tenha sido discutido dentro do governo, a criação de uma política migratória abrangente ainda não saiu do papel. Um documento chegou a ser elaborado, prevendo ações de promoção de direitos e reinserção socioeconômica para deportados e seus familiares, mas nunca foi aprovado.
Primeira medida: posto de atendimento humanizado
Importância de criação de um posto de atendimento humanizado no Aeroporto de Confins, inspirado na estrutura existente há 20 anos no Aeroporto de Guarulhos. No entanto, especialistas alertam que essa medida, embora positiva, não é suficiente.
O posto em Guarulhos, por exemplo, foi criado para combater o tráfico de pessoas, mas, nos últimos anos, tem atendido principalmente migrantes afegãos que ficaram retidos no terminal por semanas ou até meses.
Dessa forma, a nova estrutura em Confins pode oferecer suporte emergencial, mas não resolve a necessidade de políticas de longo prazo, pois além de questões emocionais há desorientação financeira em virtude de muitos deportados gastarem rapidamente suas economias em dólares sem planejamento (estudos indicam que cerca de 70% do dinheiro trazido dos EUA é perdido pouco tempo após o retorno).
Violação de direitos e relatos de maus-tratos
Além das dificuldades de reintegração, deportados brasileiros frequentemente relatam abusos durante o processo de deportação. Documentos da Defensoria Pública da União (DPU) mostram que um grupo de brasileiros que chegou a Confins há dois anos e meio passou dias em um centro de detenção no Texas, onde enfrentou condições degradantes.
Entre os relatos, há denúncias de que deportados foram impedidos de acessar assistência consular, ficaram mais de 12 horas algemados nos pés e mãos durante o transporte e, em alguns casos, presenciaram agressões a crianças por agentes norte-americanos. Também há registros de separação familiar.
América Latina fortalece resposta às deportações
No México, a recém-eleita presidente Claudia Sheinbaum lançou o programa “México Te Abraza”, que garante benefícios sociais, apoio financeiro para deslocamento e assistência para emissão de documentos. Além disso, 35 mil vagas de emprego foram disponibilizadas para deportados.
Em Honduras, o governo de Xiomara Castro implementou o programa “Hermano, Vuelve a Casa”, que prevê auxílio financeiro e alimentação para deportados, além de um plano de empregabilidade em larga escala.

Na Guatemala, o presidente Bernardo Arévalo anunciou um programa voltado para o suporte psicológico de deportados e entrevistas para inserção no mercado de trabalho, aproveitando habilidades adquiridas nos EUA, como o conhecimento do inglês.
Enquanto isso, o Brasil segue sem uma resposta definitiva para seus cidadãos deportados. Com um número estimado de 230 mil brasileiros em situação irregular nos EUA, ainda não há previsão de quantos poderão ser afetados por futuras políticas migratórias norte-americanas. Entretanto, a urgência da questão exige que o governo Lula avance além das medidas emergenciais e implemente um plano estruturado de acolhimento e reinserção para aqueles que retornam ao país.